Marcos Clark. Tecnologia do Blogger.

sábado, 14 de agosto de 2010

A queda



Já nascera morto. Pelo menos deveria se sua tentativa intrauterina de asfixia houvesse dado algum resultado.
Forçado a entrar naquela bolsa de sangue, forçado a ter sensações humanas, aquilo o deixara transtornado.
Havia por século invejado o livre arbítrio e os cinco sentidos, os havia superestimado.
Com suas asas arrancadas, fora obrigado a viver tudo aquilo que ansiava, mas agora lhe causava calafrios.
Começara a repudiar aquele mundo mesmo antes do nascimento, com todas as forças nutridas por aquele fio espesso ao redor de seu pescoço, aquilo que como o própria nome sugeria era ali que deveria ficar. Um cordão.
Sabia que por si só, naquele mundo estava fadado ao fracasso. Milhões de humanos que nada faziam pra mudar, conformistas. Ele nunca fora conformista. Desde a criação, havia questionado todos os dogmas e verdades vindas do criador, aquele sem face, que de tão seletivo, havia se tornado lenda entre os que não podiam visualiza-la.

Sozinho estava perdido, em um corpo humano era quase descartável.
Nascido mal formado, não chorara. Desde seu primeiro suspiro, já não tolerava nem sequer aquela regra que dizia que era necessário chorar. Como um grito da frustração que sentia, ele calou.
Sua tentativa insatisfatória de forçar a passagem aos seis meses falhara, agora aos oito nascera a salvo insatisfatoriamente.

Repudiara o leite materno, seu único sustento naquela órbita irregular. Sentia como se o abraço de sua mãe fossem correntes que o traziam à realidade. Ele era grande demais pra matéria que o envolvia, ávido demais pra ficar ali deitado.
Sem forças, fora obrigado a sentir aquele gosto amargo do leite mal fermentado, azedo.
Após sentir pela primeira vez a podridão da raça que antes venerava, adormeceu por 3 anos.

Por 3 anos comia e dormia como um parasita malfeitor.
Recusava a vestimenta, já previa a tormenta.
Seu pai vagabundo, sua mãe desleixada. Seu irmão? Ah, como ele queria chamar aquilo que lhe açoitara de irmão.
Estava só.
Nutria a raiva do Criador por ter atendido seu pedido da pior maneira possível jogando-o num antro de podridão e discórdia. Um anjo caído.

Antes guerreiro, agora percebera que seu nascimento no meio de bilhões era quase imperceptível naquele universo constantemente em expansão.
Se lhe cabia uma missão, não soubera responder. Detestava crer que não existia.
Em seus três anos de vida, recusava a falar não porque não sabia, ele sabia, mas por puro inconformismo malcriado.
- Mamãe, eu te odeio. -foi sua primeira frase.
Ele ainda não aprendera a mentir.

4 Comente aqui:

Daniela Esteves disse...

É um texto tão triste, mas não por isso deixa de ser belo. Muito bem escrito, e uma angústia foi crescendo em mim a cada linha... Mais uma vez digo que, não é porque é triste, que não é belo. Lindo, parabéns!

Uuri disse...

só eu achei incrivel???

me responde uma coisa? [mas quero MESMO a resposta]
- tem muito de voce nesse texto, não é senhor inconformado?


só eu achei esse texto genial? mais uma criação genial? digna de louros literarios?

Viiviih M. disse...

Muito lindo,parabéns
amei o blog,seguindo...
segue?
http://viiviihmdiario.blogspot.com/
Beijinhoos ;*

Thaís disse...

Angustiante o texto, mas muito apreciativo. Me pareceu um filme de suspense, mesmo diante da angústia eu queria ler mais e mais. Gostei bastante, parabéns novamente!

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