Deveria ser um dia claro como qualquer domingo de verão. Aprisionado na escuridão de minha própria loucura, nunca tive certeza de como andava o tempo naqueles dias sempre sombrios.
Na verdade não tinha mais certeza de nada na vida, mal saia daquele quarto fedendo a mofo, escuro, irreal. Minha verdadeira fortaleza de solidão.
Pensava em tudo e no nada, no nada principalmente, naquilo que estaria por vir.
Sem o conhecimento do desconhecido a morte aos meus olhos, parecia algo adequado.
Chorava e chorava sem ter mais o por quê.
Abandonado por quem deveria se dedicar estava fadado ao declínio, precisava daquilo.
Não acreditava em fé, futuro ou esperança.
Preparei o palco, escrevi o roteiro o ator já estava pronto.
Arma carregada, um coração desolado e uma música de fundo, there's not you can do that can be done... all you need is love.
Ah, isso não cola mais.
O clima estava perfeito para mais um suicídio.
A verdade era que eu nunca fora corajoso ou covarde o suficiente pra puxar o gatilho, mas aquilo era tentador demais, a imagem do meu sangue jorrando pelo tapete seria o drama ideal.
Poolls of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind, possessing and caressing me... mais possuíam do que acariciavam.
A tristeza dilacerava toda a esperança que restava.
Hey Jude refrain, don't carry the world upon your shoulders, na na ra na na na na na ná.
Too late, arma apoiada na garganta, dedo no gatilho, lágrimas nos olhos.
Let me take you down 'cause I'm going to Strawberry Fields... é, não poderia morrer sem escutar essa música pela última vez. Queria antever novamente o local pra onde eu iria, nothing is real and nothing to get hung about. Strawberry Fields forever, Strawberry Fields forever, Strawberry Fields forever... estaria em Strawberry Fields, pra sempre.
Meus dedos pressionaram, e o clic seco se fez,. téc, téc, téc.
Uma, duas, três vezes. E o disparo.
Fui jogado pra atrás e mergulhei numa espiral descendente.
O ato acabara, a platéia aplaudia, as cortinas fechavam.
Estava morto, e feliz.
Escuro, escuro, escuro até aquele ponto e a claridade se fez.
Estudei aquele rosto perfeito com meus olhos cansados, havia o nariz longo, o cabelo desgrenhado. Poderia ser Jesus se não fosse aquele óclinhos redondo. Era melhor que Jesus, era Deus, ou melhor, o MEU Deus Lennon como sempre imaginara que ele fosse. Bem ali ao alcance de minhas mãos, estiquei-me e senti uma corrente de energia que envolvia meu ser, um fluxo tomava conta do meu corpo e me afastava daquele momento mais que perfeito.
Meus pulmões se inflaram de ar e tudo se foi.
Tudo ali era branco, anjos brancos sem asas rodiavam meu corpo sem vida.
Aos poucos o que me restava de consciência voltava. A lucidez, se é que isso existe, foi injetada de volta ao meu cérebro.
Mama, papa e a vida, eu estava vivo.
A bala nem sequer me feriu, eu estava ali, intacto, a salvo.
Apenas um desmaio causado pela má alimentação - dizia um médico.
Não, eu queria me matar, e consegui. - tentava dizer.
Ninguém acreditou nos detalhes de tudo aquilo o que vira, afinal, ninguém acreditaria numa criança de 10 anos alienada, suicida.
O fato é, por mais que digam que fora apenas uma ilusão, eu sei o que vi, e se aquilo não era o paraíso, já não sei mais quão bom o paraíso possa ser.
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